A SÍNDROME DA HIENA
Por CAESAR MOURA
Rio, 18.10.2024
Se você me perguntar uma música do One Direction, banda teen Britânica-Irlandesa encerrada em 2016, não saberei dizer uma, mas não tenho dúvidas de que já ouvi 2 ou 3 hits deles tocando sem parar em algum vídeo do Tik Tok. Então não estou aqui para falar sobre a banda, mas sobre um integrante dela, Liam Payne (31) que cometeu suicídio nesta sexta-feira, 17. Melhor: Estou aqui para falar de suicídio (sem aspas, sem letra trocada por número, sem risquinho, suicídio e ponto) e sobre a Síndrome da Hiena que desencadeia.
Apenas poucas horas depois da notícia da morte de Payne e tudo que se vê nas redes sociais brasileiras são fotos do “estado do quarto” onde Liam estava hospedado; dos “Sons violentos que vinham do quarto” que um hóspede do mesmo andar ouviu; da aparência de “confuso e drogado” que um “fã" (Um fã desses e quem precisa de inimigo, hein?) afirma ter visto; sobre o “estado do corpo” quando foi encontrado. Uma usuária do Instagram (tinha que ser, claro!) divulgou fotos deprimentes e pessoais do caso (onde se via restos de drogas por todo o lugar, uma total falta de respeito com o falecido e sua família) justificando-se da seguinte forma:
“Mostrando o mal que as drogas fazem as pessoas pensarão duas vezes antes de usá-las”
FOTO: INTERNET
Primeiro achei que fosse papo de adolescente, de alguém que ainda não entendeu nada da vida, mas quando chego no perfil da comentarista, encontro uma mulher madura nos seus 48-50, se dizendo professora: Estamos perdidos com as gerações de imbecis que essa senhora instruiu.
Se imagens dos danos causados por uso de drogas (qualquer droga, incluindo essas que vc finge que não é como jogos de azar, consumo compulsivo de pornografia, bebida alcoólica, cigarro, remédio tarja preta sem prescrição e Big Brother Brasil) fossem eficazes, ninguém mais fumaria cigarros. No entanto, numa rápida pesquisa sobre dados científicos e verificados sobre os efeitos da campanha de advertência sanitária nos maços de cigarro (Iniciada em 1988!) e tudo que encontrei de fontes sérias foi no mínimo cínico: Das 5 análises que tive acesso (via Google, super simples) 5 mostram porcentagens de Opinião (68% aprovam a campanha, por exemplo) e Intenção (37% pensam em um dia parar de fumar depois da campanha), mas nenhuma mostra porcentagens reais de quem efetivamente parou de fumar por causa da campanha. Isso se dá por que esses dados não existem. Isso se dá por que mesmo depois de 36 anos (!) de campanha o cigarro continua sendo um dos artigos mais consumidos no país.
Então, não, sem essa de que está prestando um serviço social expondo, reproduzindo, compartilhando e curtindo registros de ante e pós-morte de um ser humano que partiu atormentado. Isso não é moral ou religioso, mas ético e sem ética a Civilização desmorona.
De onde vem esse prazer, esse deleite histérico, descontrolado, esse frenesi pela tragédia? Principalmente pela tragédia alheia? Porque levantar de supetão da cadeira do ônibus, arrancar os fones dos ouvidos às pressas e esticar o pescoço em um ângulo quase impossível só para ver além das janelas, ver o carro esmagado contra o poste, para ver o corpo sem vida pendendo da porta arrancada, só para ver, em êxtase, alguém que poderia ser sua mãe ou seu melhor amigo? Para quê saber “detalhes" sobre a morte alguém quando a morte em si já é a tragédia?
Síndrome de Hiena.
Assim que chamo essa "natural" curiosidade humana pela morte ou esse "natural" prazer extraído do sofrimento alheio, essa excitação Dionisíaca diante do cheiro da morte, diante da carniça, do cadáver, como uma diferença fundamental: A Hiena não está rindo de fato. O esgaçar de sua boa e os sons que emite - que aos ouvidos humanos lembram uma risada - são vocalizações emitidas para comunicarem-se entre si, significando muitas vezes raiva, frustração ou tristeza. Ainda que os ouvidos humanos possam ter dificuldades para interpretar, cada hiena tem um tom próprio influenciado inclusive pela sua posição hierárquica no bando.
Qual a disculpa do humano?
Marina Vasconcellos terapeuta familiar pela Unifest e psicóloga perita em Psicodrama explica assim:
“A curiosidade (pela morte) é natural, outra coisa é usar a tragédia para se promover nas redes sociais, como aqueles que sentem uma necessidade muito grande de se auto-afirmar, se exibir, chamar a atenção, como se dissessem (quando publicam as imagens), ‘Já que não olham para mim, vão ver o que eu vi e se impressionar comigo'”
FONTE: UOL
Como dizia Gertrude Stein, “nem tudo que é natureza é natural”, ou seja, nem tudo que a nossos instintos, nossa natureza pede é sábio atender.
Famoso ou não, a notícia foi sobre o suicídio de um ser humano, a única discussão cabível nesse momento é uma só:
“Que ele tenha encontrado o acolhimento e a sensação de segurança que ele não encontrou aqui”
O “Foi um covarde!”, o “Não pensou na família”, o “Vai direto para o umbral”, o “Foi para o inferno”, o “Olha o que as drogas fazem” você deixa para você ou para seu pai ou para seu irmão ou irmã, ou para seu namorado, sua namorada ou para seu melhor amigo. Quero ver você ser fraco(a) e cruel de condenar quem você ama “só" porque ela(e) decidiu que festa não era para ela e decidiu ir embora sem se despedir.
“Que ele(a) tenha encontrado o acolhimento e a sensação de segurança que ele(a) não encontrou aqui”.
Ponto.
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