A TRAGÉDIA DO HERÓI NA COMUNIDADE LGBTQI+ BRASILEIRA
Atualizado: 22 de set. de 2024
Por Caesar Moura
21/09/2024
"Jojo Todynho", codinome artístico para Jordana Gleise de Jesus Menezes chocou parte da comunidade LGBTQI+ brasileira ao iniciar a semana assumindo-se - da forma raivosa de sempre - não só uma integrante da extrema-direita brasileira, mas também do bolsonarismo ao publicar em suas redes sociais foto posando ao lado da esposa do ex-presidente, ex-presidente esse que já assumiu inúmeras vezes desprezar mulheres com todos os biotipos que "Todynho" apresenta, incluindo, a cor de sua pele.
A simpatia pela Direita e o desprezo pelos LGBTQI+ já tinham sido expostos diversas vezes por rivais e até pelo ex-marido de Jogo (crucificado na época e agora redimido), todos ressaltando quase em uníssono que “fora das redes (sociais) ela é muito diferente”; Mas foi só quando “Todynho" saiu publicamente do armário do fascismo no começo dessa semana que os fãs da celebridade encararam a realidade.
As camadas socioculturais por detrás são tantas que fica difícil saber por onde começar, mas basicamente seria algo nessa ordem: 1) Onde o Brasil falhou com Jojo, uma mulher negra, periférica, advinda de um lar fragmentado, pobre, segundo as regras do padrão de beleza feminina da extrema-direita, “baixinha”, “gorda”, “feia”, para ela sentir-se mais segura entre seus opressores ancestrais que entre seus “iguais”?; 2) Quem a Jojo pensa que é para achar que poderia se fingir de simpática com uma Comunidade que despreza só para aumentar sua fortuna (com patrocinadores e anunciantes associados ao ou em busca do mercado LGBTQI+) e que ficaria por isso mesmo?; 3) Porque a Comunidade LGBTQI+ Brasileira parece sempre tão carente de heróis a ponto de achar que Jojo Maronttinni (seu novo alter-ego mirando a Política, talvez, finalmente, seu verdadeiro "Eu") poderia ser uma delas?
Foto: Microsoft Design AI + Caesar Moura
Apesar de nunca ter sido fã de Jojo Todynho (mais uma vantagem de ser Arlequim Dourado), como membro da Comunidade LGBTQI+ me indignei, e me indigno ainda mais por ver que até o fim Jojo se aproveita da Comunidade para garantir engajamento para o anúncio de sua candidatura em 2026: Não pense você que Jojo acordou e decidiu dizer que era da extrema-direita, não; Jojo acordou com tudo ensaiado, sabendo exatamente em que lugar a notícia reverberaria, o engajamento que traria, a atenção que agregaria, o cenário perfeito para anunciar sua candidatura no melhor extrema-direita-style: Sangrando. Sim, “sangrando”. Vendo "Todynho” agora, me deixa uma impressão estranha de que para entrar naquele Grupo você precisa provar que está pronto(a), pronto(a) para sangrar os que te amam, pronto(a) para entregar Jesus para Roma por menos de 33 moedas. Para minha mente de escritor, sempre tendendo para fantasia, me parece mais coisa de seita satânica que de partido político…
O que nos leva a questão que realmente nos interessa aqui: O que levou a Comunidade LGBTQI+ a adotar uma personalidade construída na fúria, no ódio, na inquietação? Volta e meia a Comunidade paga pau para uma galera que “chegou ontem” e que nem LGBQTI+ é em detrimento de um monte de nomes nacionais que de um jeito ou de outro abriram os caminhos para a gente que está aqui agora, apesar da violência criminosa que persiste, usufruindo de direitos sociais jamais sonhados por LGBQTI+ de 50 anos atrás.
Mania que LGBTQI+ Brasileiro tem de falar de Stonewall e Martha P. Johnson com lágrimas nos olhos quando, apesar de importantíssimo para História Mundial da Comunidade , tanto o evento gringo quanto Martha não tiveram na época impacto algum no Brasil onde, por exemplo, travestis eram presas por “vadiagem" (simplesmente andar pelas ruas) até os anos 1990 e "boates gays" eram praticamente clandestinas até o apagar das luzes do século XX (Apenas 24 anos atrás!). Adoro e respeito o mito que se construiu no nome de Martha, acho mesmo que ela merece, mas particularmente acho o enfrentamento de Sylvia Rivera, trans amiga inseparável de Martha, sozinha num palco a céu aberto, a luz do dia, reivindicando - diante de centenas e centenas de gays brancos de classe média americana indignados com tamanha ousadia - a coroa pela Luta pelos Direitos Civis LGBTQI+ às verdadeiras heroínas, as travestis, as trans e as afeminadas, que por sua natureza expositiva se veem ate hoje no papel da “Linha de Frente”, como parte do pelotão que segue na primeira fila para serem os primeiros a levarem os tiros no peito, acho esse discurso da Rivera mais poderoso que o tijolo que P. Johnson jogou por exemplo; ou até mesmo Richard Pryor, famoso comediante americano que se assumiu gay em um evento pioneiro na New York dos 1970 para uma platéia de LGBTQI+ brancos e de classe média americana, recebendo vaias ao cobrar da Comunidade LGBTQI+ presente o mesmo empenho da luta contra a homofobia na luta contra o racismo. Um ator negro de sucesso se assumir gay ao vivo em plenos anos 1970 para uma platéia de LGBTQI+ e chamá-los todes de racistas, dizendo “ser gay é ruim, mais ser negro e gay é pior ainda e precisamos falar sobre isso”, definitivamente é mais poderoso que o tijolo de Martha.
Volto a dizer que a idéia não é desmerecer Martha P. Johnson, mas lembrar que a história é feita de diversos “grandes gestos”, incluindo na nossa história aqui, a História da Comunidade LGBTQI+ Brasileira.
Na próxima vez que decidirem escolher a heroína do momento, lembra da “Jojo Todynho” e dá um Google antes. Tantos nomes para LGBTQI+ brasileiros se inspirar: Lafond, Clodovil, Rogéria, Nanny People, Madame Satã, Elke Maravilha, Suzy Brazil, Dizi Croquettes, Sandra Brea, Cazuza, Cris Negão, Lorna Washington, Cássia Eller, Roberta Close, Rose Bombom, Renato Russo, Lauro Corona, Miguel Falabella, Pabllo Vittar, Míriam Martinho, Aguinaldo Silva, Mário de Andrade, Hélio Oiticica, Márcia Pantera, Caio Fernando Abreu, Thalia Bombinha, Kaká Di Polly… Isso porque estou deixando de fora outros tantos nomes consagrados na nossa História.
Não se esquece Comunidade amada: Quem escolhemos para ser nossos heróis dizem mais sobre quem nós somos do que sobre o herói.
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