"MEGALÓPOLIS": COPPOLA ENVELHECEU, E TUDO BEM.
Por CAESAR MOURA
“Megalópolis" (2024) novo do mestre Francis Ford Coppola, um dos últimos dinossauros da História do Cinema, está entre nós e mesmo que eu diga que o filme é uma porcaria (Spoiler: Claro que nem de longe é!) ir ao cinema assistir a visão de Coppola sobre a transição e transferência e efemeridade do Poder, é um dever cívico.
Cesar Catilina (Adam Driver, surpreendentemente oscilante e perdido) é um urbanista genial e excêntrico que tem planos de transformar New York numa cidade Utópica, o que faz com que ganhe como inimigo o prefeito Franklin Cicero (Giancarlo Esposito, inacreditavelmente caricato, como se fosse o vilão de uma fábula para crianças e não para adultos), homem poderoso e conservador que é completamente antagônico a ideia. Como se não bastasse, Cesar se apaixona por Julia Cicero (A bela Nathalie Emmanuel, numa interpretação contida, presa, letárgica, sobrando apenas a beleza da atriz) filha do prefeito, entornando o caldo de vez e transformando a coisa toda numa guerra pessoal.
FOTO: DIVULGAÇÃO
Reza a lenda que Coppola trabalha no filme há 3 décadas o que talvez explique alguns dos “problemas" do filme. Digo “problemas" entre aspas porque não acho que envelhecer seja algo ruim, depreciativo, mas um fato, algo que sinaliza do lugar no Tempo do qual falamos. Por exemplo, a ideia de uma América do Norte comparada a Roma em seus dias de glória e também de queda, mantinha um frescor durante o período da Guerra Fria, um ar de “ideia nova" 30 anos atrás. Hoje, hoje ninguém vê os Estados Unidos como uma "potência", mas como uma nação em franca decadência: a queda já está acontecendo e não há nenhuma novidade nisso. Então Cesar/Driver com ares de imperador atormentado num cenário moderno soou datada, levemente empoeirada. Adam Driver hora atuando como se tivesse sido dirigido pelo Elias Kazan e hora atuando como se estivesse num episódio de “Girls” (HBO, 2012-2017) não ajudou em nada. Aliás, a modernidade do filme é a visão de um homem de 85 anos sobre o que seria moderno e a julgar pelo o que vemos no filme, é uma visão sobre o moderno de quem ainda sonha com a cabeça de quem está nos anos 1970. Essa é a questão: “Megalópolis” ter nascido com 30 anos de atraso. A cena por exemplo, de um evento onde um repórter pergunta para Julia Cicero (aparentemente bissexual na história) “(Se ela) Gostava (sexualmente) de garotas?”, é possível ouvir Cesar respondendo “Todo mundo gosta de garotas!”, propagando a filosofia binária, heterossexual e levemente homofóbica de que não exista quem não goste sexualmente de garotas. Sexualmente garotas não me atraem e eu existo há 40 anos. Isso somado à confusão de vozes que narram e descaracterizam a história; Personagens que falam sozinhos em voz alta no melhor estilo Nazaré; cenas muito longas, o tom cartunesco das personagens (para surpresa geral, John Voight se salva como o divertido Hamilton, mas Shia LaBeouf está constrangedor naquela velha interpretação afeminada e homofóbica do que se pensava nos anos 1970 ser um imperador promíscuo na Roma Antiga), provam o total distanciamento de Coppola do agora, e da alienação sobre questões - por exemplo, como a da representatividade - que se tornaram peças chave no marketing de qualquer filme produzido hoje em Hollywood nos últimos 6 anos. E nem dá para dizer que é “impossível se manter atualizado tanto tempo” quando temos Mr. Martin Scorcese (82), contemporâneo de Coppola, colocado muito diretor de 30 anos no bolso, ao viralizar em vídeos surreais (o último que vi foi um do Diretor comentando o vídeo da neta se maquiando, hilário!) No Tik Tok uma rede vendida como um “lugar para jovens”.
Mas enquanto o fiapo de história de “Megalópolis" vai se esgarçando por mais de 2 horas de filme, aqui e ali, nosso mestre se mostra ainda atento e criativo com belas imagens, como a do casal apaixonado que caminha literalmente sobre um grande relógio (como quem dança pelo tempo) ou da cena protagonizada por Talia Shire (a eterna Adrian Pennino da franquia “Rocky, o lutador” ótima como a mãe do urbanista Cesar) que ao receber um afago do filho grita em socorro acreditando estar sendo agredida, numa metáfora belíssima e dignada fábula que Coppola quis tanto fazer sobre alguém que desconhece o afeto; ou ainda, num filme onde os melhores diálogos são falas de séculos atrás do filósofo romano Cícero, ser presenteado com uma fala dessas, “Existem 2 coisas impossíveis de se olhar por muito tempo: o sol e sua própria alma” é um bálsamo em meio a mediocridade que há 1 década domina o cinema mundial.
Não deixe de assistir “Megalópolis” não é o melhor filme de Coppola, mas é um filme de Coppola, então, assista no cinema: A julgar pelo tempo que levou para sair esse, e como é muito comum no processo criativo de Mr. Coppola, essa pode ser uma das últimas chances de ver na sala escura um filme inédito feito todo por um dos maiores cineastas de todos os tempos.
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