O BBB É CULPA SUA!
Por M o u r a C e s a r
“Toda vez que eu vejo ele eu lembro de você!”; “Nossa! Mas ele é muito parecido com você!”; “Até os trejeitos! Parece seu irmão!”; “Você já viu?”
O ano era 2002, meu segundo ano na Faculdade de Jornalismo e claro, não se falava em outra coisa a não ser da estréia do programa Big Brother Brasil (BBB) na Rede Globo de Televisão. André Gabeh (que serviu, sem saber, de cobaia para consagrar um “tipo” que seria reproduzido em diversas edições seguintes, a do “gay erudito, mas popular”. Jean Wyllis, Di Cesar, seriam algumas dessas escalações, só para citar alguns exemplos) virou um sucesso popular instantâneo e, querendo ou não, para o público hétero da época, uma referência do que era ser gay no Brasil de 2002. Claro que como único gay assumido da minha turma na faculdade, fui imediatamente comparado a Gabeh. O que não ajudou a eu vir a gostar do programa: Dessas 24, a única edição que acompanhei foi justamente a primeira, justamente a com Gabeh. E mesmo tanto tempo depois, eu realmente continuo achando o programa uma ofensa, principalmente agora que virou um tipo de resort, de "colônia de férias" para sub-celebridades endividadas, "Influenciadores do momento" desesperados em busca de engajamento e filhos ricos de famosos ainda mais ricos e complexados. O entretenimento criado por brancos para entreter a classe média, com participantes "pobres" (que fazia a Classe Média se sentir "mais rica"), aquela história de "gente como a gente", acabou. Há muito tempo.
Durante a primeira década pós-estréia, a discussão sobre o BBB no país parecia "equilibrada" em números (em argumentos jamais, já que tudo se resumia a bate-boca entre os que "se achavam descolados" e os que "se achavam inteligentes"), o que tornava a coisa toda mais "suportável", mais "igual". Mas logo a Elite - que, claro, amou o retorno da idéia de assistir plebeus se "degladiando até a morte" para entrete-los - entrou em campo e, para não ser comparada às classes inferiores, lançou - com absoluto sucesso - a fake de que o programa não era alienante ou fascista, mas social e inclusivo já que “mostra as desigualdades que persistem no Brasil” (Pelo amor de Deus, né? Quem pega trem lotado pela manhã ou precisou de Hospital Público no Brasil, precisa mesmo do BBB para conhecer desigualdade?). Pronto! A Classe Média amou! E todos se sentiram “inteligentes" de novo. Em 2024 ninguém filosofa mais sobre o programa e seus efeitos na sociedade brasileira, mas sim o que os participantes dizem e vendem. Projeto alienação concluído: Mission Complete.
Bom lembrar que alienação não tem a ver com “falta de inteligência”, pelo contrário, mas pela presença de uma inteligência que precisa ser corrompida. Vi ídolos, professores, colegas "mais inteligentes do que eu", gente que admiro se "converterem" ao BBBismo. Para eles, seguir não gostando, ter uma opinião própria, é ser radical, querer holofote, querer ser do contra, o Alternativo, a Diferentona, o Arlequim Dourado. Nossa persistência ofende sua desistência. Eles foram levados a crer com tamanha certeza de que o produto é bom que eles acreditam mesmo ser impossível não gostar. Te lembrou alguma coisa esse tipo de "postura" diante da discordância? Isso mesmo! Acertou quem falou fascismo.
Em pleno 2024 NINGUÉM vai me convencer que passar 3 meses cultivando sentimentos de baixa sintonia como o ódio, a frustração pessoal, a arrogância e a prepotência - fantasiados de indignação - "não faz mal à ninguém"; Ninguém vai me convencer que passar 3 meses diante da Tv ansiando, torcendo pela confusão, pela tragédia pessoal, para que "se f0dam" (ou, nas palavras da moda, "humanizem"), "eleva nossa consciência social"; NINGUÉM vai me convencer que alguém sai melhor como cidadão depois de passar 3 meses assistindo um produto que indiretamente propõe a idéia de que gentileza é "neutralidade", é ser planta (como se ser natureza, fosse algo ruim), é queda no ibope; Ninguém me convence que é divertido se submeter por 3 meses à um programa onde mau-caratismo é visto como "estratégia de jogo", como se o mau-caratismo fosse uma "ferramenta" e não uma forma de estar, de ser, de existir no mundo. O impulso afetivo de consumo do BBB é o ódio. Principalmente o ódio por si mesmo que cada espectador brasileiro sente: A síndrome do vira-lata que incutem nas classes média e baixa desde seu nascimento. Aquela que nos faz sentir eternamente insuficientes.
Mas para quê falar sobre isso, não é mesmo? Quando essa edição acabar - como alguém que mata a própria mãe, reza 3000 Pai-Nossos e é absolvido - é só ir para as redes sociais defender o meio-ambiente (menos as "plantas", claro), condenar a convivência com “pessoas tóxicas” (menos a sua própria que escolhe durante 3 meses fazer o completo oposto) e dar dicas de como se livrar de "pensamentos negativos” (fingindo que você realmente aprendeu a se livrar dos seus) e pronto: Você é "uma pessoa boa" de novo.
Pelo menos até a próxima edição do BBB.
Comments