O NOVO "CORINGA" É DECEPCIONANTE E "A CULPA É DE GAGA"
Por CAESAR MOURA
18.10.2024
Esse é o "Coringa 2" (Nada de "Folie À Deux”): Arthur Fleck está no Asilo Arkham a apenas 7 dias de sua execução no Cadeira Elétrica. Após uma fuga sanguinária e épica, o caminho de Arthur cruza com o de Lee Quinzel, a Arlequina. Depois de uma série de assassinatos em conjunto e de um tipo estranho de afeto surgir entre os dois, Arlequina é assassinada numa emboscada da polícia organizada com a ajuda de sua própria mãe. Coringa é recapturo e enquanto aguarda o dia de sua morte, planeja sozinho em sua cela seu plano de vingança (“Coringa 3”).
Mas o que ganhamos foi “Coringa: Folie À Deux” (Todd Phillips, 2024), um musical tão pretensioso e entediante quanto o título. Arthur Fleck (um Joaquim Phoenix que desiste rapidamente do Coringa que criou em 2019 e aceita transforma-se em “apenas mais um doido qualquer”, tudo o que não queremos ver num filme estrelado pelo Coringa, o vilão mais complexo e carismático de Batman - nas últimas 3 décadas, e MUITO graças à Frank Miller que mudou todas as regras do jogo em 1989, mas isso é outra história - o personagem mais popular da DC), esse Coringa de meia-tijela se apaixona(!) pela patricinha doidinha Lee Quinzel, a Arlequina (vivida de forma digna por Lady Gaga que, se não entrega a "atuação de sua vida" como esperávamos, jamais compromete a história) e começa a cantar enquanto é levado a julgamento. Fim. Nada no figurino, Direção de Arte ou Fotografia, apesar de competentes, se destaca.
Não que o roteiro de “Coringa” (Todd Phillips, 2019) seja uma obra-prima, nem de longe, mas propunha camadas interessantes sobre abandono, invisibilidade social, rejeição e desajuste, sentimentos e sensações que qualquer ser humano já experimentou ao menos 1 vez na vida, além, claro, da atuação impecável e inspirada (e agora sabemos que única) de Phoenix. Esse aqui…
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FOTO: DIVULGAÇÃO
A primeira imagem de “Chicago" (Rob Marshall, 2002) é um extreme close-up dos olhos da protagonista Roxy Heart (Renné Zellweger, excepcional). A câmera dá um zoom e nos leva para dentro da escuridão dos olhos de Roxy e só então o filme começa, não deixando dúvidas para o expectador de que tudo que veríamos a partir dali seria através dos olhos delirantes da ambiciosa Roxy Heart. Então, quando vemos um circo montado ao redor do advogado criminal Billy Flinn (Richard Gere, ótimo!) enquanto defende sua cliente numa sessão no Tribunal no mundo real, nós sabemos o que é delírio e o que não é e isso é o que faz tudo ainda mais divertido: somos cúmplices da fantasia, só os protagonistas e nós vemos tudo que acontece; Em “Dançando No Escuro” (Lars Von Trier, 2000) uma operária (Bjork, visceral) que está ficando cega e tenta desesperadoramente juntar dinheiro para cirurgia que impedirá seu pequeno filho a ter o mesmo destino, quando exposta a momentos de extrema tensão e stress, refugia-se em delírios com números musicais compostos a partir dos sons cotidianos que a cercam, como a do barulho da fundição das máquinas, das placas de metal se chocando na chapa, da goteira na pia, do trem sob os trilhos, no musical mais triste da história do cinema.
Esses são apenas alguns exemplos de que é possível sim subverter o musical aqui e ali ou fazer até mesmo um belo musical melancólico e trágico: "Coringa: Folie À Deux” de Todd Phillips acreditou mesmo que bastava só colocar Lady Gaga e seu fantástico ar de Rainha-Do-Pop-Lexotan e Joaquim sem blusa (explorando de forma bem duvidosa dos sintomas da anorexia e depressão, como se fosse um… estilo) e pronto, eles tinham um “filme tão anárquico quanto seu protagonista”. E aqui me pergunto: Teríamos esse filme se não tivessem escalado Lady Gaga? Não, não teríamos. Você sabe que não teríamos.
A culpa então é de Gaga? Involuntariamente sim. “Involuntariamente" porque Gaga este bem no filme, faz exatamente o que é dirigida para fazer; Sua Arlequina é mais interna que externa e ela parece saber usar isso bem na hora de dar peso dramático a cena, o problema é que ter Gaga - pelo menos até aqui - é ter-que-ter música; co isso Gaga e a música ficaram maior que o filme, maior que Joaquim.
Os números musicais, como suspeitávamos, aqui só serviram para atrapalhar a narrativa diminuído a força de cenas dramáticas importantes (que com a entrada das músicas ficaram mais que constrangedoras, mas irritantes) atravancando a fluidez da história que, a julgar pelos 5 primeiros minutos do filme - como a cena de barbear onde abrem um sorriso de sangue no canto esquerdo da boca de Coringa que permanece impassível - poderia sim ter sido um boa história.
Se não fosse a tentativa de romance.
Se não fosse a música.
"Se não fosse Gaga”.
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