SOBRE GOSTAR DE QUEM NÃO SE GOSTA
- Moura Cesar
- 14 de dez. de 2024
- 3 min de leitura
Por CAESAR MOURA
14.12.2024
Quantas vezes nos meus 20 anos passei noites lamentando por ter encontrado o “cara certo” mas que, apesar de “toda química”, por alguma razão misteriosa, não queria ficar comigo; Quantas vezes nos 30 me culpei por, apesar do inegável tesão recíproco, ter “deixado escapar" o cara “mais gostoso do mundo”. Foi só agora nos 40 que descobri, por um acaso, uma das razões para “tanto infortúnio”: Fui apaixonado e desejei a versão dos meus ex que eles mais odiavam.
Há 2 meses venho me digladiando com meu celular - que agora decidiu parar de vez - e nesse processo tenho mudado constantemente meu chip de aparelho (velhos! Rs) enquanto aguardo aquela promoção de natal. Acontece que com isso diversos números antes bloqueados no WhatsApp, desbloquearam fazendo meu celular parecer locação de The Walking Dead: É um tal de morto-vivo dizendo "Oi, sumido!”.
Mas eis que em meio aos cadáveres surge um ursinho (apelido dado pela Comunidade LGBTQI+ para homens gordinhos, peludos e barbudos) com quem eu adorava transar (e vice-versa), mas que nunca evoluiu muito além de encontros ardentes a cada 5 anos (Rs). Papo vai, papo vem, ele me manda uma foto (daquelas bipartidas onde você mostra o seu “antes” e “depois”) onde ele aparecia numa foto do ano em que o conheci (gordinho) e outra atual dele começando a ficar sarado, fazendo cara de “hétero top padrão” na academia. Na mensagem abaixo das imagens a pérola que ele deve ter ensaiado e enviado para Deus e o mundo: “Olha a evolução!”. Sentindo como se alguém estivesse falando de um amigo meu, respondi meu ressabiado, “Mas todas as vezes que sai com você era com aquele corpo que você tá chamando de primitivo com que sai e gostei muito, todas as vezes”. Ao que, visivelmente ofendido, ele respondeu: “Fala sério! Eu era um monstro. Tem que sair comigo agora…” mandando em seguida 10 fotos da barriga que estava quase sumindo e 1 foto do pau, que continuava o mesmo, só que sem pêlos. O bloqueei. De novo. Mas dessa vez, apaguei o número da agenda e do chip por garantia. Me senti uma puta barata e amadora me interessando, segundo o próprio, com a "pior versão do meu ex".

Foto: Microsoft A.I.
Então era isso: Quantas vezes anterior me interessei por um homem no momento em que ele mais se odiava? Odiava sua própria barriga, odiava ter muitos pelos, odiava sua falta de dinheiro, odiava sua própria falta de carisma, odiava sua própria bunda, odiava sua falta de humor, sua ausência de pelos odiar sua calvice, odiava seu próprio “pau pequeno”, odiava seu próprio proeminente, odiava seus próprios pés, odiava seu próprio cabelo, odiava seu próprio cheiro.
O ódio dessas pessoas é tão radioativo que quando nos deixam, no deixam nos sentindo menores, incompetentes, decepcionantes… odiosos. Talvez por isso, também só agora, entendo a importância de se ser seletivo no sexo, porque no fim do dia, quando as luzes se apagam, é sempre só você com você mesmo e com o que você deixou que fizessem de você.
Todas, absolutamente todas as pessoas com as quais interagimos ao longo do dia, da vida, deixam algo delas com a gente assim como deixamos algo nosso com elas, a gente querendo ou não. Quanto mais intensa a troca que se estabelece, mais pedaços dessas pessoas você carregará com você e vice-versa. É como ir à praia: Pode se passar 1 ano desde sua última ida até ela, não importa quantas vezes a sunga foi lavada desde então, quantas vezes você sacudiu a bolsa que usou naquele dia ou varreu o tapete da porta de entrada: você ainda continua encontrando restos de areia aqui e ali.
"O que fazer então, Caesar, deixar de gostar, deixar de ir à praia?!” Jamais. Mas ao menos que se aprenda a escolher bem para que praia se vai para que se volte para casa melhor do que saiu, para que se volte para casa mais leve do que quando a deixou, para que se volte para casa com a certeza de que toda areia na bunda e ardência na pele queimada valeram a pena.
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