"THEM": DO BRILHANTISMO À IRRELEVÂNCIA
Por C A E S A R M O U R A
Há alguns meses estreou a Segunda Temporada (Subintitulada “ The Scare”) da antologia de terror para Tv “Them" (Amazon Studios, 2021-2024), criada e produzida pelo diretor Little Marvin. Diferente do que normalmente acontece, a fé da Amazon Studios no projeto foi tão grande que, de cara, contratou Marvin para 2 temporadas da série baseada apenas na indubitável qualidade dos roteiros do que viriam a ser a Primeira Temporada, “Them: Covenant” (2021).
Antagônica a primeira - já, já falamos dela - em quase tudo, a mais recente temporada, "Them: The Scare" (2024), da antologia de terror acompanha as investigações da policial Dawn Reeve (interpretada pela sempre excelente Deborah Ayorinde) que nos anos 1990, sem saber, tem sua vida em rota de colisão com a de um psicopata assassino (interpretado pelo lindo e talentoso Luke James que apesar de alguns bons momentos no fim pesa a mão na caricatura ao incorporar todos os clichês possíveis desse tipo de personagem, com direito a clássica cena em que o psicopata ri e chora ao mesmo tempo para mostrar o quão "desequilibrado" ele é). Na ânsia por atender as “exigências" de críticos brancos internacionais e nacionais, os produtores executivos optam por colocar o sobrenatural em primeiro plano - tirando um policial corrupto e racista - e por livrar o homem branco de qualquer culpa, com isso, a Amazon fez com que a segunda temporada acabasse parecendo uma versão Halloween de “O Silêncio dos Inocentes” (cujo ano de lançamento, 1991, coincidentemente é o mesmo onde a história desse "Them” se passa) o que é uma pena quando comparamos a série com ela mesma: A Primeira Temporada é uma obra-prima.
Foto: Divulgação
“Them: Covenant” (2021) nos apresentou a saga da família negra Emory (defendida com brilhantismo por Sharadi Wright Joseph, Melody Hurd e pelos impecáveis Deborah Ayorinde e Ashley Thomas (Aka Bashy) nas atuações de suas vidas) que se muda para um bairro de brancos extremistas (encabeçado pela fantástica Alison Pill) que não permitem a presença de negros, algo muito comum na América da década de 1950 onde se passa a história, alguns poucos anos antes da marcha pelos Direitos Civis nos EUA, ou seja, no auge das tensões raciais americanas. O assédio dos brancos no processo de cancelamento, apagamento daquela família negra é tão intenso e mortal (como é até hoje) que cada membro dos Ebony começa a materializar seus fantasmas internos que precisam ser vencidos ou não sairão de lá vivos. Em outras palavras, a mensagem dessa temporada de estréia é clara: Não existe processo de cura antes de enfrentar os fantasmas do racismo de frente. Mas, infelizmente ou felizmente, a temporada acabou ficando conhecida mesmo por ter a cena mais brutal e violenta da história da tv mundial. Eu que me considero um espectador experiente tive muita dificuldade de ver a cena até o final. É uma experiência artística e social tão poderosa que no mínimo você sente uma profunda indignação. Mas ao que parece, esse sentimento se mostrou complexo demais para a Geração TikTok, aquela geração que quis cancelar “E o Vento Levou…” (1939) pelo filme que se passa num período escravocrata mostrar “cenas de escravidão”, quase cancelando junto aquela que pretendiam vingar, a grande Hattie McDaniel (que viveu a inesquecível e Oscarizada Mamy do clássico de Margaret Mitchell). Claro que os críticos racistas, brancos e de classe média aproveitaram a onda e, surfando na nóia da Geração mais neurótica da história, decidiram que todo o tom da série “estava errado”, “exibicionista”, “pesado”, “de mal gosto”, pior, “exagerado”. Exagerado? No começo de Julho deste ano, só para citar um exemplo, em Illinois, Sul dos EUA, Sonya Massey (36), uma americana negra, ligou para Polícia porque estava assustada com a suspeita de que tinham invadido sua casa. Dois policiais brancos atendem o chamado e, minutos depois, mesmo desarmada, dentro de sua própria casa, sem ter cometido nenhum delito, é baleada de forma covarde e morta pelos homens que achou estar ali para salvá-la. A realidade então é exagerada? E quem “edita" a realidade? Quanto vale essa realidade no Rote Tomates? É preciso ser muito cínico para insinuar que TUDO o que acontece em “Them: Covenant”, cada tortura, estupro e assassinato não acontece até hoje nas bandas de lá.
Pois está acontecendo agora enquanto eu escrevo, enquanto você lê essa crítica.
A crítica classe-média-branca tomou como pessoal as acusações históricas apresentadas sem filtro em “Them: Covenant”. E essa era idéia. Pena a Geração TikTok ter amplificado as vozes desses racistas estruturais (alguns, só racista mesmo) a ponto de, mesmo tendo momentos dignos de Emmy, especialmente para os protagonistas Ayorinde, Thomas e também para Direção de Arte e Figurinos de Adam Davis, Sean Falkner e Lyn Falconer respectivamente, a Temporada - tirando 2 indicações sem prêmio no Festival Independente Spiritual Award justamente para Deborah Ayorinde e Ashley Thomas e mesmo com média 7,5 nos principais sites da Audiência - foi solenemente ignorada pelas grandes premiações do setor, quase num clima de boicote.
É ótimo que tenhamos “Bridgerton" (Netflix), mas é preciso que existam também obras que nos relembrem o quão ainda mais cruel o mundo era com as Minorias, justamente para que, indignados, não permitamos que aconteça de novo, jamais.
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